7.12.12

Palestra sobre "A interferência da fala no processo de construção da escrita" - 05.12.12

VIII - Seminário de Educação Inclusiva 2012 - Direito à diversidade- Semed/Vilhena



Palestra: A interferência da fala no processo de construção da escrita
Modos de falar/ modos de escrever
05.12.12




Dinâmica das diferenças:

 Reflexão sobre a inclusão de quem fala diferente:

Independente da região da qual eu sou oriundo, ou do modo de falar que uso em minha casa, eu posso escolher entre usos mais formais (monitorada) ou menos formais (não monitoradas), dependendo da situação comunicativa a qual sou exposto.

Dinâmica: "Amor de Deus é tão grande" (para relaxar):

Reflexões:

Mas por que, afinal, é importante estudar isso?
Qual a importância de compreender as relações que se estabelecem entre modos de falar e modos de escrever?
 
Já sabemos que os alunos, na sua produção escrita, valem-se do conhecimento que têm sobre a língua que falam e dos conhecimentos que estão adquirindo sobre a estrutura da língua escrita. Esses conhecimentos são o seu ponto de partida para construir hipóteses quanto à forma das palavras, nas frases e nos textos.
Devemos estar preparados para antecipar os problemas prováveis  na  produção escrita de nossos alunos.
Devemos, também, lidar com esses problemas de forma positiva, quando nós os encontramos, e ajudar os alunos a entender por que uma determinada palavra ou frase contém “erros”.
A  análise  dos  “erros”  nos  permite  distinguir  as  fontes  dos  problemas ortográficos e, assim, agir sobre eles com sabedoria. 

Leitura dramatizada da HQ do Chico Bento: "Falando difícil";

Mais reflexão sobre Modos de falar e modos de escrever:
As diferentes etapas de nosso trabalho no dia a dia de sala de aula:
 
Começamos por recolher amostras da produção escrita de nossos alunos.
Nessas amostras vamos identificar palavras ou sequências cuja grafia ainda não está de acordo com as regras da ortografia.
Em seguida, vamos fazer a distinção entre problemas ortográficos que são reflexos de interferências da pronúncia na produção escrita e problemas que decorrem simplesmente do caráter arbitrário das convenções ortográficas.
Esse  exercício  é  muito  importante,  pois  permite  planejarmos uma AGENDA para nosso trabalho pedagógico, voltada para os problemas específicos de ortografia que nossos alunos estão apresentando. 
 


Projeção do filme: "Chico Bento em: na roça é diferente":
 
Vamos assistir a um desenho animado do Chico Bento.
No decorrer do vídeo, vá anotando as palavras ou expressões que o Chico Bento (ou a mãe dele) falam e que você considera não estar de acordo com o modo como você escreve. 
Quando nós refletimos sobre o nosso modo de falar, descobrimos que...
 
A escrita das palavras que você selecionou podem ser encontradas na fala dos brasileiros em geral, tanto os que vivem em área rural quanto os que vivem em área urbana.  
 Leitura do texto reflexivo:


Nóis mudemo

O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo a Porto Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, todo poesia e misticismo. Mas minha alma estava profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão daquele jovem marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, a crua recordação de um episódio que parecia tão banal...
Tentei dormir. Inútil. Meus olhos percorriam a paisagem enluarada, mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e trágico.
As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
- Por que você faltou esses dias todos?
-É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma.
- Não se diz nóis mudemo", menino! A gente deve dizer: "nós mudamos, tá?
- Tá, fessora!
No recreio, as chacotas dos colegas: "Oi, nóis mudemo!" "Até amanhã, nóis mudemo!" No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
-Pai, não vô mais pra escola!
- Oxente! Modi quê? Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da meninada! Logo eles esquece.
Não esqueceram.
Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Ai me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lucio -Lucio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapazola tinha partido no dia anterior para a casa de um tio, no sul do Pará.
- É, professora, meu fio não aguentou as gozações da meninada. Eu tentei fazê ele continua, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di tê ficado na fazenda côa famia. Na cidade nóis nao tem veis. Nóis fala tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi.
O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte.
Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência doentia.
- O que é, moço?
- A senhora nâo se lembra de mim, fessora?
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos anos de sacerdócio, digo, de magistério. Tudo escuro.
   - Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?
Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
- Eu sou "Nóis mudemo", lembra?
Comecei a tremer.
- Sim, moço . Agora lembro. Como era mesmo seu nome?
- Lucio -Lucio Rodrigues Barbosa.
- O que aconteceu com você?
- O que aconteceu? Ah! fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo amassô. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia-fria, um "gato" me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi. Peguei tudo quanta e doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante às veis fais coisa sem querê fazé. A escola fais uma farta danada. Eu não devia de tê saído daquele jeito, fessora, mas não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui fala direito. Ainda hoje não sei.
- Meu Deus!
Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que restava do rapaz, que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-me de mim suavemente.
- Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.
- Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!
Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina.
Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos, mudamos, mudaamoos, mudaaamooos... Superusada, mal usada, abusada, ela e uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna - a língua que a criança aprendeu com seus pais, irmãos e colegas - e se toma o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.
E os Lucios da vida, os milhares de Lucios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como se o professor quisesse dizer: "Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se! Desfigure-se! Fique no seu lugar! Seja uma sombra! E siga desarmado pelo matadouro da vida..."

(Fidêncio Saga)

 
Não existe uma linguagem errada: somente diferente.
Por que identificar as características da  fala das crianças?
Prever os problemas que terão ao escrever e propor intervenções adequadas.

O domínio da ortografia é gradual, lento, demorado. Quanto mais oportunidades temos de observar a língua escrita, refletindo sobre suas características, mais domínio vamos adquirindo sobre as convenções que a regem. As crianças levam muito tempo para automatizar as regras ortográficas. Seu domínio dessas convenções só vai se consolidar depois que tiverem muito contato com textos escritos.
  





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